O que mudou com a Lei do Distrato?
- Em 28/01/2020
Um dos aspectos mais relevantes na aquisição de imóveis incorporados ou advindos de parcelamento do solo (loteamento) é exatamente o momento de rompimento do negócio.
É claro que ninguém compra um imóvel pensando em desistir do negócio, mas isso é muito comum por vários fatores que explicaremos adiante.
Nos anos 80 e 90, 80% das vendas eras concentradas em apenas imóveis que se encontravam prontos para moradia. Imóveis em lançamentos geravam desconfiança e medo (tendo em vista o caso da ENCOL). Portanto, o consumidor optava pelo imóvel pronto, atentando-se ao tipo de pagamento, levantamento das certidões e se não existissem apontamentos que colocassem em risco o negócio, era concretizada a venda.
Com o passar dos anos e a evolução das sociedades, o número de imóveis vendidos “na planta”, cresceram 80%. Tais imóveis eram conhecidos como imóveis incorporados, como apartamentos e condomínios, e loteamentos, terrenos que ainda não estão prontos para construção.
Ao adquirir um imóvel pronto, através de financiamento, o comprador imediatamente utilizava o imóvel. Na incorporação, surgiu a oportunidade de adquirir um apartamento, por exemplo, sem que ele estivesse construído, ou seja, a compra é feita apenas conhecendo a planta e o projeto do imóvel que será construído.
Conflitos começaram a surgir entre consumidores e as incorporadoras (responsáveis pela venda e execução das obras) junto com a construtora.
Ao adquirir um imóvel incorporado por meio de financiamento, os consumidores ficavam sujeitos ao contrato imposto pela incorporadora, com cláusulas abusivas e juros altíssimos.
Sem muita opção, as pessoas acabavam por se sujeitar às “regras” das incorporadoras para adquirir o tão sonhado imóvel. Depois de oficializada a compra, o consumidor pagava em torno de 30% para incorporadora com uma pequena correção (INCC) e após estar pronto, submetia-se ao financiamento.
Na realidade, o que acontece é bem diferente, a entrega do imóvel atrasava, a incorporadora não cumpria com o prometido, e por consequência o consumidor se via diante de um problema: rescindir o contrato e desistir da compra ou continuar pagando intermináveis parcelas sem saber quando vai receber o imóvel.
Seguindo esse raciocínio, são os motivos que levam os consumidores a desistirem da compra, tais como: doenças, desemprego, descontrole financeiro ou até a perda de interesse em continuar com o imóvel diante da demora na entrega.
Em muitos casos, quando o consumidor decidia por rescindir o compromisso de compra, a incorporadora cobrava multa calculada sobre o valor do imóvel e não sobre o valor pago até a data de desistência da compra, ou até sugeria a devolução de um valor de no máximo 20 a 30% do valor total pago, o que tornava a cobrança abusiva.
A falta de consenso entre consumidor e incorporadora elevou em 77% o número de ações na justiça, obrigando os juízes decidirem estes impasses, o que por si só, fez a jurisprudência, diante da falta de legislação específica.
O entendimento jurisprudencial, passou a ser no sentido de dar mais razão aos consumidores, prejudicando assim por consequência as incorporadoras. Para uma melhor visão, segue abaixo um julgado recente sobre o tema:
A Lei do distrato, nº13.786/18, impõe aos clientes que desistirem do imóvel na planta uma multa de 50% do valor já pago à construtora, após 30 dias da emissão do Habite-se. A constitucionalidade desta nova legislação é bastante questionável inclusive para os contratos novos. No caso de contratos antigos, cujos direitos do consumidor já foram adquiridos, é inimaginável aplicar a nova regra. Não se pode gerar insegurança jurídica a nenhum negócio e a lei é clara no sentido que as pessoas que firmaram negócio antes das novas regras não sejam submetidas a ela.” Processo: 1012015-48.2018.8.26.0100
E não é só, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de acordo com o REsp 1.599.511/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe 06/09/16, julgou sob o rito dos recursos repetitivos, decidindo pela validade da cláusula que transfere a responsabilidade de pagamento do encargo da comissão de corretagem ao consumidor (art. 725 do Civil), desde que devidamente informados até o momento da contratação.
Nesse cenário, para dirimir a falta de legislação, foi criada a Lei nº 13.786/2018, que ficou conhecida como a Lei do Distrato, e trouxe mudanças para regular as relações entre consumidores e incorporadoras.
Em primeiro momento, é importante frisar que a Lei não trata apenas do distrato por desistência do consumidor, mas também do distrato por inadimplência do consumidor.
Além disso, a Lei especificamente não trata tão somente de qualquer distrato, mas apenas daqueles advindos de imóveis de incorporação ou loteamento, conhecidos como imóveis vendidos “na planta”.
Nesse âmbito, a nova Lei trouxe para 2019 algumas mudanças significativas.
Entre as mais importantes, a Lei estabeleceu um teto de desconto, em caso de rescisão antecipada do contrato por desistência do consumidor. A Lei nova dispõe que a multa paga pelo consumidor à incorporadora, pela desistência, não pode ser superior a R$ 25% das parcelas pagas.
Além disso, de acordo com a nova lei, ao rescindir um contrato, por desistência, o consumidor tem o direito de receber os valores que já pagou pelo imóvel, deduzidas as quantias pagas a título de corretagem e a pena convencional não superior a 25% da quantia paga pelo imóvel.
No mesmo sentido é o entendimento do Egrégio Tribunal Superior de Justiça pela Súmula 543: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”. (Súmula 543, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015)
O objetivo da Lei é a venda de imóveis na planta, mas pode ser aplicada por analogia, aos contratos de compra de imóveis já construídos, que caracterizem o comprador como consumidor.
Também incluiu o direito de cessão do contrato, para terceiro que tenha idoneidade financeira, a fim de evitar o pagamento da multa compensatória.
A incorporadora passou a ser obrigada a pagar ao consumidor multa moratória, em caso de atraso na entrega do imóvel, no valor de 1% sobre o valor já pago pelo consumidor. Importante mencionar que o consumidor só tem direito a receber a multa se estiver adimplente com os pagamentos do imóvel.
Em muitos aspectos a lei nada mencionou, deixando aberta a interpretação dos juristas em caso de conflitos. Mas, no geral, procurou estabelecer regras e limites para as relações entre consumidores e incorporadoras, a fim de diminuir a demanda judiciária e resolver mais rapidamente os conflitos.
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