O Destino do “Abapuru”: A Sucessão de Tarsila do Amaral
- Em 19/04/2024
Recentemente, foi divulgada na mídia a disputa existente na sucessão da pintora brasileira, internacionalmente conhecida Tarsila do Amaral, que faleceu aos 86 anos.
A única filha de Tarsila faleceu antes dela e, agora, seus herdeiros disputam o controle dos direitos de propriedade intelectual de suas obras, avaliados em milhões de reais.
O caso em questão contém dois pontos que aguçam a curiosidade das pessoas:
- Um pouco sobre Tarsila do Amaral;
- A polêmica da sucessão de Tarsila: o que acontece com o patrimônio de pessoas que não possuem filhos?
- Direito de imagem ou direito autoral pode ser objeto de sucessão?
- A importância da arquitetura sucessória para preservar o patrimônio.
Um pouco sobre Tarsila do Amaral
Tarsila do Amaral foi uma importante pintora brasileira do modernismo, nascida em 1886 em Capivari, SP, e faleceu em 1973 no mesmo estado.
Tarsila foi uma das principais artistas do movimento modernista no Brasil, conhecida mundialmente por suas obras que retratavam a cultura brasileira de forma única e original.
Ela é famosa pelas pinturas “Abaporu” e “Antropofagia”, consideradas ícones do modernismo no Brasil. Uma das fundadoras do movimento Antropofágico, que buscava uma arte brasileira autêntica e original, inspirada na diversidade cultural do país.
Casou-se 4 vezes, uma delas com Oswald de Andrade, ícone do modernismo brasileiro, de 1926 a 1930. Teve uma vida amorosa conturbada.
Suas obras apenas foram reconhecidas depois de seu falecimento em 1973 e são admiradas até os dias de hoje. Ela é considerada uma das artistas mais importantes da história da arte brasileira.
A polêmica da sucessão de Tarsila: o que acontece com o patrimônio de uma pessoa que não possui filhos?
A única filha de Tarsila, Dulce do Amaral Pinto, nascida em 1906, infelizmente faleceu antes de sua mãe, em 1966, de diabetes.
O que significa dizer que, de acordo com a lei brasileira, se estivessem vivos, seus pais seriam os seus herdeiros legais. Porém, diante do falecimento dos pais, os herdeiros obrigatórios passam a ser os parentes mais próximos, de acordo com a ordem de sucessão determinada pela lei.
No Brasil, essa ordem de sucessão é estabelecida pelo Código Civil e observa a seguinte prioridade:
- Primeiramente, os irmãos do falecido são considerados herdeiros;
- Caso não existam irmãos vivos, a herança passa para os sobrinhos;
- Se não houver sobrinhos, a herança pode passar para os tios e primos do falecido; e
- Em última instância, se não houver parentes até o quarto grau de parentesco, a herança pode ser destinada ao Estado.
Nesse contexto, vamos entender a disputa pelo patrimônio de Tarsila do Amaral.
Cinquenta anos depois do falecimento de Tarsila, seus herdeiros disputam o controle de seus direitos autorais e do licenciamento de produtos que usam a sua obra.
Hoje, há uma ação judicial, na qual se busca definir o direito de cada um dos, pelo menos, 30 (trinta) herdeiros, entre eles sobrinhos e sobrinhos-netos.
Em 2005, alguns dos herdeiros constituíram uma sociedade para administrar o legado artístico de Tarsila. Mas, em 2022, uma das herdeiras, por divergências com seus primos, retirou-se da sociedade.
O patrimônio envolve os valores decorrentes da exploração econômica das obras de Tarsila, que, hoje, estampa camisetas, cadernos, posters, entre outros produtos, além do empréstimo de obras para exposições ao redor do mundo.
A discussão judicial, que levou à abertura de inventário 50 anos após o falecimento de Tarsila, envolve desde o uso dos valores recebidos à estratégia de exploração econômica, em uma sociedade na qual muitos dos herdeiros tinham pouco envolvimento na gestão.
Não há uma previsão para que haja uma solução do conflito no Poder Judiciário. Se um processo de inventário pode ser demorado, imaginem com mais de 30 herdeiros!
Direito de imagem ou direito autoral pode ser objeto de sucessão?
Uma questão curiosa que o tema nos traz são os direitos autorais dentro do planejamento sucessório.
Nesse contexto, o legado de Tarsila consiste em pinturas e desenhos, bem como das rendas decorrentes de sua exploração, ou seja, os direitos autorais de sua obra.
Pinturas e desenhos, livros, músicas, filmes e a própria imagem do artista compõem os direitos autorais, os quais podem e devem ser objeto de sucessão.
Quando um autor morre, toda a sua contribuição artística será transmitida aos seus herdeiros. Os direitos autorais são uma forma de proteção legal concedida aos criadores de obras musicais e artísticas. Eles permitem que o criador tenha o controle sobre como sua obra é usada e distribuída e também garantem que eles sejam devidamente compensados por seu trabalho.
Portanto, qualquer uso não autorizado da obra requer a obtenção de uma licença dos titulares dos direitos autorais.
Na época de Tarsila, não se falava em propriedade autoral, planejamento sucessório, seja pelo medo da morte, seja pelo tema ser considerado um tabu.
Hoje, a arquitetura sucessória não é mais um tabu, mas vista como uma demonstração de amor pelo patriarca ou matriarca, que estará presente na vida de todos mesmo após seu falecimento, em um momento em que todos encontram-se fragilizados pela perda, e como sua contribuição para a preservação do patrimônio.
A ícone do rock brasileiro Rita Lee, ao falecer em maio de 2023, deixou muito mais que um testamento determinando a divisão de seu patrimônio avaliado em aproximadamente R$30 milhões.
Em seu testamento, ela definiu a divisão de direitos autorais, bem como determinou como e quando novas músicas e uma autobiografia deveriam ser lançadas, continuando a tomar as decisões sobre sua arte.
Mais do que isso, expressou sua vontade acerca do uso ou não da recriação de sua imagem por meio da inteligência artificial.
O direito é dinâmico e abraça os avanços tecnológicos, como mostra o testamento de Rita Lee.
A importância da arquitetura sucessória para preservar o patrimônio
O planejamento sucessório permite a estruturação antecipada da sucessão do patriarca ou matriarca da família, podendo, conforme o caso, ter as seguintes finalidades:
- Economia tributária na sucessão patrimonial,
- Preservação patrimonial, por meio de ferramentas que implementam as regras para a administração do patrimônio após o falecimento do patriarca ou matriarca;
- Harmonia das relações familiares;
- Proteção patrimonial, para as famílias empresárias, garantindo o sustento familiar em meio às crises e à instabilidade político-econômica;
- A profissionalização da administração da empresa familiar;
- Definição de regras de gestão;
- Evitar a demora e custos de ação de abertura de inventário, principalmente quando há hostilidade entre herdeiros.
O planejamento é um investimento a ser feito na preservação do patrimônio, que utiliza como ferramentas não apenas holdings patrimoniais e doações. Há muitos outros recursos cujo uso deve ser avaliado de acordo com o caso prático e com as prioridades de cada família.
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